Será correto buscar averiguar crimes cometidos sob determinado regime legal que já não mais existe? Do ponto de vista de Kelsen, não; do ponto de vista de Hannah Arendt, sim. Deixo a provocação: por que não criamos uma “Comissão da Verdade” a respeito dos crimes cometidos pelos senhores de escravos no século XIX no Brasil?
Após fazer muita pressão pública pela nomeação da Comissão da Verdade, as entidades ligadas aos ex-presos políticos e às famílias de mortos e desaparecidos na ditadura militar receberam com alívio e animação os nomes dos indicados nesta quinta-feira (10/05/2012) pela presidente Dilma Rousseff. Os representantes da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e do Grupo Tortura Nunca Mais destacaram o viés jurídico da nova comissão, já que cinco dos sete nomes são ligados ao Direito.
Diretora do grupo Tortura Nunca Mais, a jornalista Rose Nogueira contou que estava ao computador, escrevendo uma nota que cobrava da presidente Dilma a instalação da Comissão, quando viu que as indicações já haviam sido feitas.
— Todos os sete são pessoas equilibradas, conhecedoras do assunto. Estou contente de ver na comissão gente da área do Direito. Agora, espero que a Comissão da Verdade aprofunde as investigações — disse Rose.
Para o grupo Tortura Nunca Mais, além de promover investigações sobre o período da ditadura, o trabalho da Comissão deve ser acompanhado pelo Ministério Público Federal (MPF).
— Isso porque os crimes de lesa-Humanidade são imprescritíveis e, nesses casos, as investigações devem ser levadas à Justiça.
Para a jornalista, não é só de bons nomes que a Comissão deve ser constituída:
— É preciso que ela tenha um poder de investigação profundo. É o grande momento de recompor a História, a memória do Brasil.
Ex-preso político, Ivan Seixas, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos também felicitou a escolha de Dilma por nomes do meio jurídico:
— Foi um período de grandes ilegalidades. Esse caráter jurídico da Comissão é necessário, tem de ter uma centralidade jurídica para analisar esse período. Achei a nomeação perfeita. São sete nomes de pessoas competentes e sérias— disse Ivan.
Para ele, que teve o pai assassinado na tortura, o foco inicial da Comissão deve ser a investigação dos desaparecimentos.
— Mas ditadura não é só morto e desaparecido. É preciso investigar a extensão que foi criada. É preciso revelar também o conteúdo dos decretos secretos — apontou Ivan.
O procurador regional da República Marlon Weichert, do Grupo de Justiça de Transição, que investiga os crimes da ditadura, elogiou a biografia dos integrantes da Comissão.
— São todos nomes grandiosos. Não há reparo. Todos têm uma biografia que atende aos critérios da lei que criou a Comissão— disse o procurador.
Marlon afirmou que o MPF está preparado para compartilhar informações sobre o assunto com a Comissão.
— É do espírito público a sinergia de esforços— afirmou.
Comissão não deve ter ‘radicalismos’ e focar nas famílias, diz Ophir
A composição da comissão é “equilibrada”, formada por nomes de respeito e com conhecimento da matéria. Essa é a avaliação do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante. Ele afirma que o trabalho da comissão deverá focar nas famílias dos mortos e desaparecidos, para dar uma “resposta definitiva às angústias e sofrimentos vividos por tanto tempo”.
Para Ophir, os escolhidos são profundos estudiosos, respeitados e com conhecimento da matéria. Ele acredita que a comissão deverá atuar com “senso da mais alta responsabilidade na apuração de fatos que precisam ser passados a limpo, para que a verdade histórica seja conhecida em sua plenitude”.
Ainda segundo Ophir, o trabalho da Comissão deve se feito “com total rigor e, ao mesmo tempo, equilíbrio, para que não paire qualquer sentimento de radicalismos nem de um lado nem de outro”.
Nomes estão acima de questões ideológicas, diz Romero Jucá
No Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) elogiou os nomes escolhidos para compor a comissão.
– Os nomes que foram indicados estão acima de qualquer disputa, acima de qualquer questão ideológica e política, (são) nomes respeitados e admirados pelo Brasil – afirmou o senador.
Romero Jucá lembrou que a criação da comissão foi aprovada por unanimidade em outubro de 2011 pelo Plenário do Senado e enfatizou que o grupo terá “a importante missão de passar a limpo a história do Brasil”.
– Não se trata de revanchismo, não se trata de perseguição, mas é uma ação importante para preencher uma lacuna da nossa história política – disse Jucá, que classificou a criação da comissão como um “grande avanço para o país”.