A crise europeia não está no setor público, mas no entupimento das veias do sistema financeiro. E aí fica fácil colocar a culpa no “estado social europeu”.
A Europa está afundando, admitem até autoridades que, por dever de ofício, precisam ser otimistas.
Seleciono uma delas, Luis de Guindos, ministro espanhol de Economia, para quem “o futuro do euro se joga nas próximas semanas na Itália e na Espanha”. Note, leitor, que o ministro não cita a Grécia, o suposto bandido do filme europeu. Cita duas grandes economias.
De Guindos acha que a única maneira de evitar o colapso do euro seria uma “união bancária”, que permitiria injetar dinheiro (público, é claro) diretamente nas veias do sistema financeiro, entupidas por ativos tóxicos.
Tradução livre: o problema, ao contrário do que diz a narrativa convencional, não são os Estados gastadores, mas o setor privado, em especial o sistema financeiro, que simplesmente não cumpre sua função primordial, a de engraxar as engrenagens da economia com crédito.
Pulo para Andrew Moravcsik, diretor do programa sobre a União Europeia da Universidade de Princeton: “Embora a alguns países do sul da Europa, como a muitas democracias ocidentais, possa fazer bem cortar os deficits do governo, gastos extravagantes e descuidados não foram a principal causa da crise. Os países da eurozona tiveram políticas fiscais relativamente prudentes; muitos tinham deficits inferiores aos do Japão, EUA e Reino Unido”.
(A Espanha, por exemplo, teve superavit fiscal entre 2005 e 2007).
Volto a Moravcsik: “Muito mais importante para causar a crise foi a miopia e a relaxada regulação do setor privado, o que alimentou políticas bancárias imprudentes na Irlanda, insuficiente competição em mercados italianos, e um ‘boom’ imobiliário que deu errado na Espanha”.
Fecha com a afirmação de que “não há razão para jogar a culpa na falência do modelo social do continente”.
Explico: a narrativa convencional diz que o formidável Estado de bem-estar social que a Europa construiu -para o meu gosto, o menos ruim dos modelos concebidos até agora- não pode mais ser financiado. É só parte da verdade: de fato, há exageros que devem ser corrigidos, mas as políticas que estão sendo praticadas equivalem a jogar fora a criança (o modelo) junto com a água suja do banho (os exageros).
Se o problema é menos do poder público e mais do setor privado, em especial da banca, fica claro que é inútil o cruento ajuste que está sendo imposto. Os Estados, desossados como estão sendo, não conseguirão bancar o saneamento de suas bancas.
O setor de pesquisas do banco suíço UBS calcula que só os bancos espanhóis precisam de uma recapitalização na altura de € 100 bilhões. Até no pequeno Portugal, os bancos vão precisar de mais ajuda, em torno de € 6 bilhões, diz a agência de classificação de risco Fitch.
O pior é que, no ponto a que se chegou, é quase inevitável socializar de novo o prejuízo. Mas um dia alguém terá que impor a socialização do lucro, sob pena de a crise se tornar eterna.
(Original aqui.)