Na semana passada li um artigo na Folha de S.Paulo que levantou uma ideia interessante: há alguma relação entre Maquiavel e o TSE?
Como se sabe, o pensador florentino é erroneamente identificado com o surgimento do “maquiavelismo”. Digo que é “erroneamente” identificado porque Maquiavel não era maquiavélico. Não há em seus escritos, nem mesmo no mais famoso — “O príncipe” —, qualquer vestígio de “vontade de fazer o mal propositadamente”. O que há, isso sim, é a análise da realidade nua e crua, quer gostemos ou não: quem é político vai fazer o que for necessário para se manter no poder. House of Cards que o diga.
(Se você quiser ver uma explicação completa sobre o pensamento de Maquiavel clique aqui. Ou se preferir algo mais sucinto dê uma olhada neste link ou neste link.)
Como sabemos, o TSE neste mês de junho deu decisão histórica em relação ao julgamento da chapa Dilma-Temer. Para o bem ou para o mal, a decisão foi histórica, já que seus reflexos são visíveis não apenas agora, mas também o serão para o futuro.
É neste sentido que o referido artigo fala sobre um eventual “maquiavelismo” na decisão do TSE. Foi “virtù” ou foi “fortuna”? O autor diz que foram os dois. Explicando…
Maquiavel diz que a “virtù” corresponde à capacidade própria do agente em administrar as variáveis que lhe trarão a vitória. Muitos confundem “virtù” com “virtude”. Não é. Em português “virtude” tem inexoravelmente um sentido positivo, de algo bom. “Fulano é virtuoso”, dirão. Significa dizer que aquele Fulano tem alguma característica pessoal boa.
A “virtù” não necessariamente é boa. Ou melhor dizendo: não necessariamente traz um resultado positivo. Aquele que se antecipa ao seu inimigo e o mata é alguém de “virtù”, na nomenclatura de Maquiavel. Afinal de contas, foi astuto, antecipou-se ao inimigo e o matou. Sobreviveu. Venceu.
Já a “fortuna” também muitas vezes é mal interpretada, sendo tomada por “riqueza”. E não é. A “fortuna” de Maquiavel corresponde à oportunidade que o agente tem de agir na hora certa. Utiliza-se da sua “fortuna” a pessoa que percebe o inimigo distraído e o mata. Surgiu a oportunidade e dela se aproveitou.
Claro: o mundo ideal de Maquiavel une os dois conceitos. O melhor agente é aquele que sabe o que tem de ser feito (tem “virtù”) e coloca seus conhecimentos em prática no momento correto (aproveita a “fortuna”).
E a decisão do TSE, o que tem a ver com isso tudo? Novamente recorro ao artigo da Folha: foi uma mistura de “virtù” com “fortuna”.
Houve “fortuna” pelo fato de o julgamento ter ocorrido próximo à data de substituição de ministros. E houve “virtù” por terem sido trocados por aqueles que seriam fiéis a um objetivo pré-determinado. Houve, como diz o artigo, um “plano de voo traçado entre os membros do colegiado”. E, atrevo-me a dizer, um plano de voo traçado com membros de outros poderes da República.
Fabricou-se a oportunidade? Talvez sim, especialmente quando se considera a prerrogativa do presidente do TSE em levar adiante os trabalhos em momentos mais… “convenientes”. Ou quando se considera que alguns meses atrás determinados membros do TSE pediram por mais investigações para, “curiosamente”, afirmarem depois, em junho, que tais investigações estavam fora do escopo inicial da causa de pedir. Foram maquiavélicos e manipularam a Justiça? Sim, sem dúvida.
Mas Maquiavel não tem nada a ver com isso, que fique claro. Deixem o homem em paz. Ele apenas “escancarou” o que todo político faz desde sempre. E o que vimos no TSE foi exatamente isso: atuação política pura, em que princípios jurídicos foram totalmente desconsiderados e colocados de lado. Que o diga o “voto” do último ministro a votar. Se alguém encontrar ali algum argumento realmente jurídico, ganha uma balinha de menta.
Prof. Matheus Passos
os flagelos da politica brasileira e as tramoias do judiciário nunca foram tão evidentes.
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