Ontem ocorreu o tão esperado depoimento de Carlinhos Cachoeira à “CPI do Cachoeira”. Claro que falar em “depoimento” é apenas jeito de dizer, já que ele ficou calado o tempo todo por se utilizar de seu direito constitucional de não produzir provas contra si mesmo. Este posicionamento irritou os parlamentares da CPI, que esperavam – com ingenuidade, digo eu – que Cachoeira fosse “abrir o bico”.
Várias também foram as vozes a se irritarem na internet a respeito da atitude do contraventor, dizendo que era falta de respeito, que era um absurdo, que a Constituição garante direitos demais, que ele deveria ser forçado a falar…
Claro que do ponto de vista cívico, toda esta irritação e revolta é justificada e justificável. Todo cidadão espera que casos de corrupção como este sejam solucionados e, talvez mais que isso, que sejam criados novos mecanismos jurídico-políticos para diminuição da corrupção (aqui deixo explícita minha visão de que a corrupção não acaba, apenas é reduzida). Todo cidadão espera que o indivíduo, ao ser convidado a depor em uma CPI, contribua buscando “apurar fatos que supostamente lesaram os cidadãos/Estado”, como me disse uma amiga. Todo cidadão se irrita ao ver o silêncio dele, somado a sorrisos de quem deveria estar pensando “bando de bestas…”.
Porém, queiramos ou não, gostemos ou não, vivemos em um “estado democrático de direito”, o que faz com que, queiramos ou não, gostemos ou não, as regras precisem ser seguidas. E como diria o comentarista, “a regra é clara”: qualquer um pode se negar a falar algo/sobre algo que possa ser usado em seu próprio prejuízo. E era óbvio que Carlinhos Cachoeira, ao chegar à CPI, não falaria nada. Caros leitores: coloquem-se no lugar dele e raciocinem… Vocês falariam alguma coisa? Vocês se imbuiríam de um inesperado e súbito “espírito cívico” e falariam tudo a respeito das falcatruas cometidas por vocês mesmos? Falariam publicamente “sim, corrompi e fui corrompido”, sabendo das consequências disso? Sejamos um pouco realistas…
Obviamente, não estou aqui defendendo a impunidade, mas é uma questão clara: um contraventor, auxiliado por um dos melhores advogados do Brasil que está recebendo um (bom) punhado de reais, criaria provas contra si próprio? É claro que não.
Pior para o Brasil, é claro, que vê mais uma vez uma CPI que busca apurar um caso de corrupção empacar. Pior para os próprios parlamentares, que cometeram um erro (?) estratégico de chamar o “peixe grande” logo de cara. Pior para os partidos políticos, que em vez de buscarem solucionar o problema resolveram entrar em uma “briguinha” para saber quem tinha o pior governador (o PSDB com Marconi Perillo em Goiás ou o PT com Agnelo Queiroz no Distrito Federal). Pior para a sociedade, que vê a política como algo que “não dá em nada”, reforçando o estereótipo de que política só existe no dia da eleição.
Para terminar, abaixo coloco um dos vários libelos gritando “que absurdo ele ter ficado calado”, exaltando o lado cívico – mas escasso de fundamentação jurídica para a situação. Deem uma lida e, em seguida, deixem seus comentários sobre o assunto.
Vários integrantes da CPI do Cachoeira pareceram à beira de um ataque de nervos com a estratégia do silêncio adotada pelo pivô do escândalo da vez.
Por ter recorrido ao direito constitucional de permanecer calado para não produzir provas que possam incriminá-lo, o delinquente Carlos Augusto Ramos foi acusado de insultar o Congresso e debochar dos representantes do povo.
Como pode um chefe de quadrilha tratar parlamentares com tamanho atrevimento?, ergueram a voz inquisidores coléricos.
Todos os parlamentares sabem que o cliente de Márcio Thomaz Bastos emudeceu por ordem do advogado a seu lado.
Carlinhos Cachoeira fez exatamente o que fizeram na CPI dos Correios, também por determinação do ministro da Justiça reduzido a chefe do serviço de socorro jurídico aos mensaleiros, os depoentes Delúbio Soares, Marcos Valério, Sílvio Pereira e outros protagonistas do escândalo descoberto em 2005.
Mas ninguém ousou perguntar ao doutor, na sessão desta tarde, até quando pretende afrontar os brasileiros honestos com reedições do espetáculo da mudez malandra.
O anjo-da-guarda da bandidagem federal mostra a falta que faz um Sobral Pinto.
Em vez de cobranças, Márcio Thomaz Bastos foi contemplado por deputados e senadores por um buquê de cumprimentos reverentes e elogios derramados.
Enquanto se cria uma comissão da verdade para apurar crimes do passado, o presente é deformado por mentiras e trapaças patrocinadas por um ex-ministro da Justiça que se especializou em impedir que se faça justiça.
(Original do texto acima aqui.)