Todo o poder emana do povo

Um tempo atrás escrevi um artigo intitulado “vamos falar de democracia”, na qual apresentava uma opinião a respeito do “grau de democraticidade” do cidadão brasileiro. No meio do artigo escrevi a frase “pode até ser que o regime jurídico-político seja (estou sendo aqui bem benevolente, mas isso é outra história), mas as pessoas, em geral, não o são.” Hoje venho aqui falar um pouquinho sobre essa “outra história”.

Parto do princípio de que todo mundo tem uma noção mínima de que democracia é o governo do povo. Famosa é a frase de Abraham Lincoln, que disse que democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Famosa é a ideia de que a democracia nasceu em Atenas. Famosa é a ideia de que a Constituição brasileira instaurou um regime democrático no nosso país, já que acabou com o regime militar e trouxe ao cidadão o direito de votar e ser votado.

(Se você quiser aprofundar seus conhecimentos sobre o conceito de democracia, é só assistir a este vídeo.)

Aqui já vislumbramos nosso 1º problema: o cidadão ter o direito de votar e ser votado. Obviamente que não há nenhum problema com o direito em si – ao contrário, sem ele, dada a atual configuração político-jurídica do país, não há logicamente democracia. Portanto, o direito de votar e ser votado é condição necessária para a existência de uma democracia. Mas parece-me que não é condição suficiente. Em outras palavras: precisa existir tal direito, mas apenas ele não configura uma democracia.

Basta pensarmos no seguinte: quando você vota, você tem a certeza de que seu voto é contado para aquela pessoa em quem você votou? Quando olhamos para as eleições majoritárias (presidente, governador e prefeito, além de senador) pode-se dizer que sim; porém quando olhamos para os cargos proporcionais (deputados federais, estaduais, distritais e vereadores), que são os cargos eletivos mais importantes porque são aqueles que os ocupam os que criam a lei (diferentemente do que, me parece, a maioria acha, já que tem-se a figura do presidente da República como o cargo mais importante), a coisa não é tão clara: posso muito bem votar no candidato “A” e meu voto não apenas não ajudá-lo a ser eleito como ser direcionado para o candidato “B”, que eu não quero que seja eleito, caso o candidato “B” seja do mesmo partido e/ou coligação do candidato “A”. Ou seja, apenas votar não leva a uma democracia. O voto é, portanto, condição necessária, mas não suficiente, para a existência de uma democracia.

(Para mais detalhes sobre as diferenças técnico-jurídicas entre os sistemas majoritário e proporcional, deem uma olhada no meu livro Aprendendo a votar: noções básicas sobre o funcionamento das eleições no Brasil).

Outro problema que considero grave é a questão do grau de controle que o cidadão tem sobre o eleito, que no Brasil é zero. Para que isso seja compreendido, vamos seguir o seguinte raciocínio, começando pelo que diz o parágrafo único do art. 1º da Constituição brasileira:

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Percebam a interpretação embutida nesta frase, que não é apenas um jogo de palavras, mas sim uma questão de hermenêutica jurídica: o poder emana do povo – ou seja, o povo é o titular do poder político no Brasil – mas ele é exercido por representantes eleitos (sobre a parte do ou diretamente falarei em outro artigo). Essa interpretação é importantíssima porque ela deixa bem explícita que o povo é o dono, mas não pode fazer nada com aquilo do que é dono – o poder político – porque quem o exerce são os representantes. E isso sem falar no conceito de poder, que expliquei neste artigo, e de como esse conceito pode ser aplicado à interpretação do parágrafo único do art. 1º da Constituição acima citado.

[A possibilidade real do povo exercer seu poder sobre o governo] não existe, já que não há nenhum vínculo jurídico – muito menos político – de controle do representante pelo povo.

Como mudar essa situação? Como buscar fazer com que o povo tenha controle sobre o governo? Não irei aqui apresentar propostas novas (isso será feito em outros artigos), mas sim trazer à tona um mecanismo jurídico atualmente em vigor que, se não traz a possibilidade de controle real, efetivo do povo sobre o governo, no sentido de “mando-obediência” conforme o conceito de poder apresentado no texto acima referido, ao menos pode auxiliar o cidadão a saber o que o governo está fazendo, para que ele – cidadão – possa se empoderar e “correr atrás” do estado.

Um dos possíveis mecanismos juridicamente existentes no Brasil para que o cidadão exerça seu papel fiscalizador é a Lei nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI). Conforme o site do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC),

Esta lei regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas. A norma entrou em vigor em 16 de maio de 2012 e criou mecanismos que possibilitam, a qualquer pessoa, física ou jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e entidades. A Lei vale para os três Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive aos Tribunais de Conta e Ministério Público. Entidades privadas sem fins lucrativos também são obrigadas a dar publicidade a informações referentes ao recebimento e à destinação dos recursos públicos por elas recebidos.

Ou seja, a LAI é um mecanismo atualmente existente e que permite ao cidadão buscar informações a respeito do que o estado está fazendo. Com isso, uma vez informado, o cidadão pode, como escrevi acima, exercer seu papel fiscalizador perante o estado – aquilo que o prof. Jorge Miranda chama de “responsabilidade do cidadão na esfera pública” e que é um elemento essencial em toda e qualquer democracia que se preze.

E o cidadão brasileiro faz isso? Ou seja, se informa e pressiona o estado por mudanças?

Em pesquisa realizada no dia 30 de novembro de 2014 no próprio e-SIC, desde 16 de maio de 2012 – data de entrada em vigor da Lei – até o momento de acesso ao site foram registrados 226.129 pedidos de informação, sendo que 221.660 pedidos haviam sido respondidos, com uma média mensal de 7.294 pedidos. (O relatório completo da pesquisa está disponível neste link.)

Com esses dados termino esse texto com a seguinte conclusão: considerando-se o tamanho da população brasileira, bem como o número de pessoas que têm acesso à internet, é possível afirmar que tal número é baixo, ainda mais se se vislumbrar a hipótese de que muitos pedidos podem ter sido feitos por uma só pessoa ou empresa (por exemplo, um único jornalista pode ter feito 100 pedidos a respeito de determinados temas). Em outras palavras, pouquíssimos cidadãos brasileiros, em termos proporcionais, questionam o estado. E destes que questionam – ou seja, e destes que buscam informações – quantos reclamam, quantos se  manifestam, quantos, de alguma forma, pressionam o estado para que este mude seu rumo? Ao meu ver tem-se assim um indício que confirma aquela imagem, colocada em meu outro texto, e que deixo abaixo, novamente como conclusão final do que me parece ser a realidade política do povo brasileiro atual:

Será que o povo realmente quer mudanças?
Será que o povo realmente quer mudanças?

E você? O que acha? Deixe seus comentários abaixo. Sua participação é importante para mim.

1 comentário em “Todo o poder emana do povo”

  1. Impeachment é o c……, não sou palhaço. Este País vive uma democracia ou um faz de conta. Chega de golpes de estado. Que aqueles derrotados enfie o rabo entre as pernas e comece a procurar onde erraram e mude de postura. Porque governantes para atender interesses externos já chega, o povo acordou. E procure entender as palavras de Abrahan Lincoln, O poder emana do povo, pelo povo e para o povo. Que as autoridades envolvidas em interesses golpistas, seja afastadas e condenadas por tais abusos.

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