Olá pessoal! Mais uma semana se inicia e vamos hoje falar sobre a separação de poderes para Montesquieu.
Montesquieu, autor francês do século XVIII, é visto como o criador da teoria da separação dos poderes. Inspirando-se em Locke, o autor propõe a distinção entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. E esta distinção tornou-se “padrão” no chamado Estado democrático de Direito da atualidade.
Porém, nem sempre se fala sobre o que fundamentou a separação de poderes para Montesquieu. Ele não era um defensor do poder Judiciário: chega a dizer que este poder é “praticamente nulo”. Em vez disso, Montesquieu é defensor do governo misto, o que é algo bem diferente.
Abaixo coloco alguns apontamentos meus sobre o tema. Na próxima semana complemento com os autores que, a meu ver, são os “verdadeiros” criadores da teoria da separação dos poderes como temos na atualidade. Fique de olho!
Montesquieu encaixa-se na linha filosófica de autores vinculados ao liberalismo político típico do século XVIII. Significa dizer, com outras palavras, que o objetivo maior de sua obra principal, O espírito das leis, era buscar mecanismos que garantissem a liberdade individual, evitando-se qualquer tipo de opressão do Estado em relação aos cidadãos. Mais que isso, a liberdade precisava ser garantida pelas leis, mecanismo por excelência capaz de garantir que os homens façam aquilo que querem, por um lado, sem, por outro, serem obrigados a fazerem aquilo que não querem (CHEVALLIER, 1999, p. 139).
Entretanto, leis de nada valem se aquele que exerce o poder político decidir abusar deste mesmo poder. Em tal situação a única possibilidade de defesa seria o uso da força física pelo cidadão, na esteira da proposta realizada por Locke. Entretanto, é desnecessário dizer que em um eventual confronto físico real entre o Estado – já então considerado como detentor do monopólio legítimo do uso da força física – e um indivíduo qualquer, este último encontrar-se-ia inegavelmente em uma posição de hipossuficiência frente ao primeiro.
Portanto, a mera existência de leis limitando o poder exercido pelo Estado é insuficiente para concretizar tal limitação. É com esta perspectiva em mente que Montesquieu vai apresentar a sua famosa teoria da separação dos poderes, que mais bem deve ser chamada de teoria de distribuição de funções no âmbito do Estado moderno. Como afirma o autor, o abuso do poder só seria impedido quando, “pela disposição das coisas, o poder detém o poder” (MONTESQUIEU, citado por CHEVALLIER, 1999, p. 139, grifo no original). Ou seja, apenas quando as funções estatais estiverem efetivamente em mãos distintas pode o indivíduo ter a certeza, na visão de Montesquieu, de que sua liberdade individual estaria garantida: quanto mais o poder estiver dividido, menor a chance dele se tornar uma ameaça à liberdade individual (McCLELLAND, 2005, p. 319).
Para atingir tal objetivo Montesquieu, claramente inspirando-se em Locke, apresenta os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo este último a grande inovação do autor na matéria. A respeito deste poder diz Montesquieu que “se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador; se unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor” (MONTESQUIEU, citado por CHEVALLIER, 1999, p. 140). É necessária, portanto, a completa e total separação destas funções em três órgãos estatais distintos sob pena de existência, na realidade, de um Estado absoluto em detrimento de um Estado garantidor das liberdades individuais.
É interessante notar, entretanto, que apesar de apresentar claramente a importância do poder Judiciário no equilíbrio desta balança entre poderes nesse sistema de checks and balances, Montesquieu identifica este poder como sendo de certo modo nulo (ALBUQUERQUE, 1999, p. 119). E assim o define porque o poder Judiciário não seria um órgão permanente: ao contrário, deveria ser “exercido por pessoas extraídas do corpo do povo em certos períodos do ano, da maneira prescrita pela lei, para formar um tribunal que dure apenas o tempo necessário” (MONTESQUIEU, citado por ALBUQUERQUE, 1999, p. 175, grifo nosso).
Significa dizer, portanto, que o poder Judiciário exerceria suas funções apenas em momentos específicos e apenas para julgar os conflitos – nomeadamente os criminais (FREIRE; WAGNER; BARBOZA, 2009, p. 141) – que eventualmente surgissem entre os homens na vida em sociedade. Sua importância político-teórica é grande, tanto que o autor defende sua completa separação frente aos outros dois poderes, como visto acima; mas sua importância prática é diminuída pelo próprio autor, já que sua impermanência como instituição o enfraqueceria frente aos demais poderes.
Mesmo diminuindo a importância prática do poder Judiciário, Montesquieu reconhece a força deste poder do Estado a ponto de defender que os juízes não sejam mais do que “a boca da lei”, na sua conhecida expressão. Embora uma interpretação possível a tal expressão leve ao entendimento de que o poder Judiciário nada mais faz do que repetir a lei, Montesquieu deixa claro que assim deve ser para que se evite a opinião particular do juiz: se esta fosse permitida o réu nunca saberia realmente qual motivo levou à sua prisão e julgamento (MONTESQUIEU, citado por ALBUQUERQUE, 1999, p. 175) – se realmente teria descumprido alguma lei ou se estaria sendo julgado por questões pessoais, o que seria inadmissível em um Estado de Direito.
Em conclusão, o que se percebe é que o poder Judiciário em Montesquieu, ainda que formalmente existente, materialmente não tem a mesma força que os outros dois poderes, já que sua existência seria temporária e sua atuação se limitaria aos casos que se lhe apresentam, não tendo, portanto, iniciativa. É com os federalistas, portanto, que o poder Judiciário ganha corpo e musculatura para efetivamente atuar como um poder que é capaz de contrabalançar a força político-jurídica dos outros dois poderes e, desta forma, evitar a concentração do poder nas mãos de poucos.
Referências:
ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Montesquieu: sociedade e poder. In: WEFFORT, Francisco C. (org.). Os clássicos da política. 1.º vol. 11ª ed. São Paulo: Ática, 1999.
CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. 8ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1999.
FREIRE, Silene de Moraes; WAGNER, Adolfo; BARBOZA, Douglas Ribeiro. Montesquieu: a centralidade da moderação na política. In: FERREIRA, Lier Pires; GUANABARA, Ricardo; JORGE, Vladimyr Lombardo (orgs.). Curso de ciência política. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
McCLELLAND, J. S. A history of western political thought. Edição digital. Londres, Reino Unido: Taylor & Francis e-Library, 2005.
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Um abraço a todos e até a próxima!
Prof. Matheus Passos
Muito obrigado pela seu interesse e colaboração em elevar o nível cultural dos Brasileiros. Um fraternal abraço.
Eu que agradeço pela sua presença por aqui. Um abraço!
Sugiro que todo o material gratuito seja também colocado em PDF para que possamos arquivá-los em pastas. Por exemplo: tenho uma pasta “POLÍTICA & SOCIEDADE” onde já arquivei um artigo feito em pdf.
Na medida do possível irei disponibilizar em PDF. Abraços!
Salve Salve Mestre! Obrigado pela generosisade em compartilhar conhecimento.
Eu que agradeço pela sua presença por aqui. Obrigado por prestigiar meu trabalho! Um abraço!